Aquela garota
“Tem um cara chamado Márcio que mora nesta rua?”
O cabelo da garota estava puxado para cima em um penteado curto, estilizado com baby hairs e cachos de gel. Seus lábios brilhavam como se ela tivesse acabado de comer frango. Lea queria rir, mas sabia que isso seria absolutamente errado. Shirlei havia parado antes de subir os degraus da varanda.
“Não conheço nenhum Márcio.”
“Ah, ele me deve dinheiro”, disse Shirlei, franzindo os olhos para o colo de Lea. “Sei que não é verão e você está aí em cima lendo um livro?”
Lea revirou os olhos e o pescoço. “E d-daí?”
“Sobre o que é o livro?”, disse Shirlei, suavizando repentinamente sua voz.
“Acabei de começar.”
“Sua mãe e seu pai estão em casa?”
“Não, é minha prima mais velha.”
“Leia um pouco pra mim.”
“L-l-ler para você?”
“Foi o que eu disse, não foi?”
“Consigo ler bem na minha cabeça, mas não em voz alta”, disse Lea.
Shirlei subiu até a varanda e sentou-se ao lado dela. “Não me importo se você ficar gaguejando. Veja, eu sou o oposto – quando estou lendo, parece que meu cérebro gagueja – mas consigo falar normalmente.”
“Em que série você está?”, perguntou Lea.
“Vou para o nono, mas deveria estar no décimo primeiro. A professora na Escola Estadual age como se não pudesse me dar um ponto, mas não quero falar sobre isso. Leia a história.”
“Bem, isso se passa na Inglaterra durante a Primeira Guerra Mundial”, disse Lea. “E eu estou indo para o nono ano.”
“O.K., isso é legal”, disse Shirlei enquanto chupava os dedos. Ela sugava os dois dedos ao lado do polegar e balançava a cadeira de balanço com o pé. “Tudo o que precisamos é de uma dessas coisas de pendurar.”
“Que coisas de pendurar?”
“Tipo o que as pessoas no Havaí deitam – ah, elas penduram no meio de duas árvores.”
“Ah, uma rede.”
“É”, disse Shirlei. “Precisamos de uma rede.”
A coisa miraculosa era que, ao contrário do que acontecia na escola, a voz de Lea ficava mais clara e firme enquanto ela lia. Ela não queria mais parar de ler. Ou estar longe do sopro suave da respiração de Shirlei. Ela não queria que a pressão do pé de Shirlei envolvendo sua canela terminasse, nem deixar de ouvir o som determinado de Shirlei chupando os dedos. Ela também não queria que sua mãe chegasse e agisse como uma louca. Joana não gostava de estranhos em sua casa.
“Minha mãe vai chegar daqui a pouco”, disse Lea.
“Entendo”, disse Shirlei.
Ela se levantou e esticou os braços compridos, revelando uma barriga estreita e musculosa conforme sua blusa subia. Ela passou os dedos pelo cabelo, tirou o gloss do bolso e passou nos lábios.
“Bem, foi real, garota”, ela disse, e desceu os degraus pulando.
Lea estava cansada de não ter amigos e ser solitária, de não ter ninguém que pudesse entendê-la. Ela se levantou para seguir Shirlei.
“Você pode voltar”, disse ela. “Mas apenas entre nove e três. Se você ver um Buick branco na entrada, passe reto – ah, e nunca nos fins de semana.”
“O.K. Você gosta de Ki-suco e salgadinhos?”
“Quem não gosta?”
Shirlei ergueu o dedo do meio e seguiu viagem. Joana não aprovaria. Ela, curiosamente, havia se tornado mais tranquila. Talvez fosse porque seu terceiro marido era um bom homem. Ele ia à igreja, trabalhava no correio e tinha recebido um grande cheque de indenização alguns anos atrás. Suspirando, Lea entrou em casa para dizer a Carla que ia andar de bicicleta, mas Carla ainda estava trancada no quarto de visitas com Fred. Eles teriam que parar com aquilo em breve.
“Estou indo dar uma volta de bicicleta”, ela avisou enquanto continuava saindo pela porta dos fundos.
Desprendeu a bicicleta e deslizou da garagem para a rua. Ela só daria algumas voltas e retornaria, tiraria um tempo para si antes dos adultos chegarem em casa.
“Ele é um bom homem”, Joana deve ter dito mil vezes sobre Rogério, depois de antes dizer que não queria outro homem em sua vida.
Lea teve que admitir que, nos últimos dois anos, desde que Rogério apareceu, Joana mal gritava ou a chicoteava. Ela estava ocupada demais no colo de Rogério, mexendo em seus cabelos ou massageando seus pés. Outra coisa era que ele mantinha Joana muito tempo fora. Rogério cuidadava da sonorização de um clube aos fins de semana, e Joana sempre ia com ele. Seu nome de DJ era Roger. Isso divertia Lea. Roger costumava caminhar pela casa cantando, aquecendo sua bela voz. Ele cobria a boca com a mão, fazendo parecer que estava falando em um rádio AM: “Você está ouvindo Roger, o melhor DJ. Continue dançando.” Não, Roger não era tão ruim.
Depois de várias quadras, Lea girou sua bicicleta e deu meia volta para o seu quintal. Ela podia ouvir as batidas do potente sistema de som dele. Todas as noites, ele chegava ligando sua música bem alto. Anitta, Ludmila, Alok, Pablo Vittar – era sempre algo nesse estilo. No momento, ele estava tocando “Show das Poderosas” e Lea podia ouvi-lo cantar antes de abrir a porta. Joana estava dançando de meias enquanto Roger verificava uma panela no fogão. Ele avistou Lea, olhou sinceramente em seus olhos e começou a latir como um cão raivoso. Ela não queria rir, mas não pôde evitar. Essa era a diferença entre ele e o namorado anterior da sua mãe: Roger não se importava em parecer bobo.
“Garota, se prepare para uma salada de macarrão, salsicha italiana em um pão de batata e suco de graviola”, disse Roger. “E olhe ali embaixo para aquele melão gigante que eu comprei.”
Ele também era um cozinheiro muito melhor do que Joana.
“Estou esperando minha amiga”, disse Lea.
“O.K.,” Carla disse. “Namorado ou namorada?”
“Garota, óbvio”, disse Lea.
Na manhã seguinte, ela ficou perto de casa o dia todo, mas Shirlei não apareceu. Se Carla lembrava, não mencionou. Lea não estava só envergonhada, mas chocada, embora isso não a impedisse de ir para a varanda verificar se sua amiga havia chegado várias vezes durante os dias que se seguiram, até Carla gritar com ela para parar de entrar e sair. Lea escolheu ficar do lado de fora, e por volta das duas horas ela achou que não fazia sentido Shirlei aparecer depois daquele horário. Foi dar uma volta de bicicleta para clarear as ideias.
No jantar, Roger disse: “A garota está quieta esta noite.”
Joana pôs o garfo de lado. “Algum problema, Leandra? Você e Carla estão se dando bem?”
Lea assentiu.
“Você deve ter se cansado andando de bicicleta ao meio-dia”, disse Joana. “Vai acabar ficando negra feito um trabalhador de roça. Me lembro de…”
Joana mexeu na salada de batata mas não comeu, nem continuou seu pensamento. Ela tinha ganhado peso desde que parou de fumar e começou a comer toda a boa comida de Roger. Uma noite, Lea a flagrou parada na frente da pia, enfiando um pedaço de bolo de zebra na boca. Ela ficou estática como um ladrão.
“O que você estava dizendo?”, Roger perguntou.
“Eu esqueci”, disse Joana.
“Você está bem, querida?” ele perguntou a Lea.
“Tudo bem”, mentiu ela.
No dia seguinte ela reparou uma garota se aproximando.
“Você demorou a aparecer”, Lea gritou, um tanto afoita.
“Você deve ter sentido minha falta”, disse Shirlei.
Lea revirou os olhos, mas estava curiosa sobre o conteúdo da sacola que a garota trazia.
“Ufa – podemos entrar? Está quente pra caramba aqui fora”, disse Shirlei.
“Deixe-me verificar”, disse Lea.
Lea tinha certeza de que Carla não se importaria, mas ela não queria arriscar, então entrou na casa e, encontrando a sala da frente fria e vazia, fez sinal para Shirlei. Elas foram na ponta dos pés até o quarto de Lea.
“Garota, você tem muita sorte – conseguiu seu próprio quarto. Às vezes nem tenho minha própria cama.
Shirlei descarregou as batatas fritas picantes e azedas, dois pacotes de fandangos, além dos pacotes de Ki-suco e Tang na penteadeira de Lea. Era como se ela gostasse de tudo que Lea gostava ou de alguma forma tivesse lido seus pensamentos.
“Se importa se eu me servir dessas batatas fritas?”
“Vá em frente, garota”, disse Shirlei. Ela estava de joelhos no armário e parecia mais interessada em explorar as coisas de Lea do que em comer. “Todos esses sapatos… ah… você deveria me dar alguns. Qual número você calça?
“Trinta e seis”, disse Lea, mas Shirlei já estava tentando calçar um par de saltos vermelhos baixos que a filha adulta de Roger, Natasha, havia lhe enviado.
“Droga”, disse Shirlei. “Malditos pés. Eu calço trinta e oito – meu pai tem pés grandes. Não entendo como posso ser tão magra e ter pés tão compridos. Eu poderia, ao menos, saber jogar basquete para equilibrar essa situação.”
Lea começou com a batata. “Você ainda tem tempo para aprender”, disse ela para encorajar a garota.
“Obrigada, amiga.”
“Eu sou sua amiga?”
Shirlei assentiu e sentou-se bem perto. O pescoço de Lea estava esquentando. Por alguma razão estúpida e embaraçosa, seus olhos se encheram de água que escorreu pelo seu rosto. Shirlei beijou-lhe a testa, as bochechas e depois os lábios; Lea sentiu o gosto duplo de suas lágrimas. Elas se beijaram e soltaram um pequeno gemido – “Hum” – antes de se beijarem mais um pouco. Até que, Shirlei recuou.
“Você quer que eu vá embora?”
“Não, a menos que você queira”, disse Lea.
“Você está tendo pesadelos?”
“Sim”, disse Lea. “Às vezes.”
“Eu tambem, amiga.”
“Legal. Eu trouxe uma coisa para você.
Shirlei sentou-se ao lado de Lea no balanço e deixou cair o pacote em seu colo: brilho labial, chiclete, salgadinhos, bolos Zebra, mini barras de chocolate e uma garrafa rosa choque com energético. Lea pegou o energético e colocou o saco de volta nas mãos de Shirlei.
“Amiga, não aguento tudo isso.”
“Sim, você aguenta, amiga. Eu comprei para você.
Lea tirou o lacre do energético e começou a beber. As duas ficaram olhando para o horizonte por um tempo.
“Que tal eu fazer algo com essa sua cabeça?” Shirlei disse. “Todo esse cabelo lindo e você prendendo numa rabo de cavalo como um bebê.”
Lea assentiu e num instante estavam no quarto dela. Shirlei estava sentada na cadeira e Lea no chão, entre os joelhos de Shirlei.
“Uau”, disse Shirlei, esticando uma mecha de cabelo passando pelo sutiã de Lea.
“O da minha prima vai até a cintura, e não cacheia como o meu”, disse Lea.
Shirlei parou no meio da escovação e se inclinou para o lado.
“Garota, você não seria capaz de me dizer absolutamente nada se meu cabelo descesse até a cintura. Eu estaria muito ocupada sacudindo-o.”
“Assim?” Lea perguntou, jogando a cabeça.
Shirlei arrancou um lenço da cômoda de Lea e pendurou-o na cabeça. “Mais assim”, disse ela, e começou a chicoteá-lo de um lado para o outro, levantando a perna para fazer a bunda pular. Elas riram tanto. Finalmente, Shirlei pegou a escova novamente, mas não voltou a trabalhar no cabelo de Lea. Em vez disso, ela olhou para Lea pelo reflexo no espelho.
“Posso te contar uma coisa?”
“Claro.”, disse Lea.
“É algo que aconteceu comigo no ano passado. Agora, você realmente quer ouvir isso?
“Garota, se você não se apressar…”, disse Lea, levantando-se do chão.
“Então, dona Telma me mandou para a diretoria porque ela disse que meu shorts era muito pequeno, e o diretor precisava ver aquilo. Entrei no escritório e ele parou o que estava fazendo e franziu a testa para mim. Ele disse: ‘Venha aqui, criança. Venha até a mesa.
“Fui até lá e, de repente, ele enfiou a mão entre as minhas pernas. Minha respiração saiu de mim. Você simplesmente não espera que nenhum homem assim faça isso com você. Mas parece que pisquei e a mão dele sumiu. Seu rosto estava normal e tudo mais. Ele estava tipo, ‘Você não quer andar por aí com isso. Você fará com que aqueles nóias nojentos pensem todo tipo de coisa sobre você. Agora, peça à dona Ninha para deixar você ligar para sua avó para vir te buscar. E não use mais esse tipo de roupa aqui na escola’.
“Você não disse nada para ninguém?” Lea perguntou.
“Quem iria acreditar em mim? Às vezes acho que inventei, porque aconteceu muito rápido. Outras pessoas já me incomodaram antes, mas fizeram isso com os dedos ou queriam que eu tocasse nelas. Ele apenas me tocou como se estivesse verificando minha temperatura lá embaixo ou algo assim. Você acha que isso conta?
Lea não sabia o que dizer, então não respondeu. Shirlei ainda estava olhando para si mesma. Lea olhou para o reflexo, mas não conseguiu identificar a expressão de Shirlei. Ela também não podia nomear a sua própria. Shirlei tinha coisas muito boas, como a pele amarelada e orvalhada e os lábios macios, e coisas muito ruins, como as costeletas peludas e os dentes perturbados por uma vida inteira chupando os dedos. Talvez ela também estivesse em conflito com seu rosto.
“Devo ser muito palpável”, disse ela para o espelho. “Que livro é esse?”
“Esse eu já terminei”, disse Lea, tirando-o da mesa de cabeceira. “É ‘Crimes hediondos: uma análise dos mais aterrorizantes assassinos da história’”.
Ela havia destacado e escrito em todas as páginas, mesmo sendo da biblioteca.
“O que significa ‘hediondo’?” Shirlei perguntou.
“Mal,” Lea disse de modo soturno.
Ela se sentou de costas e Shirlei deitou-se ao lado dela. Lea leu sobre o maníaco do parque, um vagabundo que estuprou e matou, ao menos, sete mulheres, e tentou assassinar outras nove, em 1998, mas ele confessou 11 assassinatos, sendo condenado por crimes de estupro, estelionato, atentado violento ao pudor e homicídio. Seus crimes ocorreram no Parque do Estado, situado na zona sudeste de São Paulo. Shirlei, de vez em quando, se intrometia com um “Droga, isso é uma merda”. Enquanto chupava os dedos, ela brincava com o lóbulo da orelha de Lea, e Lea finalmente teve que deixar o livro de lado por falta de concentração. Ela se perguntou se Shirlei era sapatona, se ambas eram lésbicas.
“Os homens sempre matam as mulheres”, disse Shirlei. “Devíamos sair por aí matando todos eles, para variar.”
“Sim, garota, você está certa. Os maridos de Joana costumavam bater nela e tudo mais.”
“É assim que vamos fazer. Vamos ficar no salão de sinuca e tudo mais, e quando vermos um deles olhando para nós, vamos até eles e diremos: ‘Tenho uma coisa para você brincar’. Isso vai motivá-los. Vamos bater de pau até eles saírem correndo.
Lea deu uma risadinha e praticou: “Tenho uma coisa uma coisa para você brincar”.
Ela fantasiou a cena enquanto se dirigiam até a casa de Shirlei.
No fundo, ela tremia de medo. Mas não gaguejou nenhuma dessas palavras. Em sua fantasia de vingança, um homem indefinido deslizaria em direção a elas, tentando enganá-las para que entrassem em seu carro. Ele estaria tão determinado a agarrá-las que ignoraria ou não perceberia o picador de gelo que ela ergueria acima de sua cabeça. Atingiria a pele e os músculos de suas costas com um estalo desagradável. Ela descreveu o processo com abundância de detalhes. Shirlei não pareceu se impressionar com a fantasia.
Chegando à casa de Shirlei, ela aproveitou para levar a amiga até o quarto. Queria se maquiar.
Começou a se arrumar diante do espelho do banheiro, trabalhando pacientemente em seus cabelos curtos, misturando um bocado de gel com vaselina para que o gel não formasse crostas. Passou bastante batom de cereja nos lábios, delineador para fazer seus olhos parecerem pequenos, maldosos e sexys, e criou uma marca no formato de pintinha ao lado de sua boca. Lea não conseguia entender como Shirlei conseguia estar tão calma e tranquila ali: o quarto cheirava fortemente a mijo, e a luz aquosa da lâmpada fazia os olhos dela doerem. Passos pesados se aproximaram e a porta do banheiro se abriu, fazendo com que as meninas se virassem. A mãe de Shirlei entrou com um suspiro baixo, olhando-as de cima a baixo.
“Você se acha foda? Você tá parecendo uma putinha.
Quando a mulher saiu, Shirlei jogou a cabeça para trás para que as lágrimas não atrapalhassem o delineador fresco. “Vamos, garota. Vamos mergulhar.
Lea agarrou a mão dela e apertou-a brevemente. Eles atravessaram o corredor e saíram pela porta da frente.
O sol foi um choque depois da casa escura.
“Vamos comprar um bagulho”, disse ela.
Lea parou no meio do caminho, o coração batendo forte. “Eu nunca fumei maconha antes.”
“Confie em mim. É tudo de bom. Vamos voar alto, menina.
Mas Lea ficou cada vez mais insegura à medida que avançavam. Estava ficando quente e Shirlei caminhava rápido demais e para longe demais; não admira que ela fosse tão magra. Finalmente, chegaram a uma casa de tijolos com grama verde e um canteiro com flores em frente a uma janela saliente. Quando Shirlei bateu, um homem grande e peludo abriu a porta.
“Ei, ei”, disse Lea, “eu não vou entrar aí.”
— Um segundo, Luiz — disse Shirlei, soando como se estivesse tentando se manter controlada. Ela puxou Lea para a lateral da casa. “Eu conheço esse cara. Ele sempre me tratou bem.”
“Eu não vou fazer isso.”
“Você não precisa fazer isso. Eu vou fazer isso”, Shirlei riu. “Você fica na frente.”
“Garota, é um homem adulto ali.”
“O cara só tem dezessete anos. Agora, você quer um pouco de maconha ou não?
“Não se você tiver que fazer isso”, disse Lea.
“Eu não preciso fazer isso. Eu quero conseguir minha maconha assim. Essa é a diferença.”
Shirlei desapareceu dentro de casa; Lea sentou-se no sofá com as pernas juntas. “This Is How We Do It” tocava no aparelho de som. Depois de tocar pela quarta vez, Lea concluiu que Shirlei estava demorando. Ela começou a suspeitar que, em algum lugar daquela casa, o menino peludo não estava dando folga ao jovem corpo de Shirlei. Quando Shirlei voltasse, Lea iria lembrá-la do maníaco do parque e do perigo desse estilo de vida. Ela não tinha ouvido gritos, batidas ou algo do tipo, então imaginou que o que quer que estivesse acontecendo era consentido.
Decidiu ir embora, mas assim que se trancou do lado de fora, ela se arrependeu. O calor era sufocante. Sua língua parecia mole em sua boca. Cada passo parecia o último; lutou para aguentar o calor. Finalmente, sua casa apareceu em seu horizonte como uma miragem. Milagrosamente, ela estava sob o toldo e sua chave girava na fechadura. Ela tropeçou no sofá. Demorou algum tempo até que a voz de Carla cortasse seus pensamentos.
“Espero em Deus que você não esteja grávida.”
“Talvez eu seja sapatão”, Lea murmurou.
“Estou matando o trabalho para cuidar do meu bebê”, disse Joana, vindo da cozinha. “Qualquer coisa que você queira conversar, flor.”
Lea balançou a cabeça.
“Porque você sabe que pode falar comigo sobre qualquer coisa. . . .”
“Desde quando?”
“Tem certeza que você e Carla estão se dando bem?”
Lea assentiu.
“Você não vai dizer nada?”
Ela balançou a cabeça.
“Roger fez panquecas. Arrume sua cama enquanto coloco algumas no prato para você.
Lea aproveitou a oportunidade. Percebeu que as panquecas estavam muito boas. Ao arrumar os lençóis, ela imaginou Roger largando o emprego e abrindo um restaurante chamado Deliciosos, onde ele cantaria o cardápio. As pessoas viriam de todos os lugares, e a rede Globo ouviria falar disso e lhe proporcionaria seu próprio programa de culinária, “Delícias da cozinha, com Roger”, e ele cantaria e beijaria as pontas dos dedos porque a comida era muito boa. No final de cada episódio, ele colocaria a mão sobre o rádio imaginário e diria: “É melhor você acompanhar o Roger e continuar cozinhando”.
Quando Lea entrou na cozinha, Joana estava tirando as panquecas da frigideira. A gordura dos seus braços tremiam e covinhas estavam aparecendo no tecido do short.
“Você parece diferente, mãe”, Lea deixou escapar.
Joana colocou o prato à sua frente: um ovo estrelado, uma panqueca e uma salsicha, perfeitamente circular e uniformemente dourada, não carbonizada como ela os havia feito antes de Roger. As mãos de Joana foram parar nos quadris.
“Diferente como?”
“Não importa”, disse Lea.
Joana esvaziou a cafeteira na caneca e despejou açúcar. “Uma garota veio buscar você esta manhã.”
Aquela idiota! Shirlei sabia que não deveria passar por aqui quando o carro de Joana estivesse na garagem.
“Espero que você não receba gente em minha casa, Leandra. Você nem Carla.
Lea estava feliz por Joana não ter dito nada de ruim sobre Shirlei. Ela teria dito algumas palavras bem escolhidas se Joana falasse mal dela.
***
“Adivinha?” Shirlei disse.
“O quê?”
“Você deveria me deixar passar a noite com você.”
“Hein?” Lea respondeu.
“Você me ouviu”, disse Shirlei, girando o pescoço.
Lea a ouviu. O “hein” foi por não entender por que ela diria tal coisa.
“Shirlei, você sabe que não pode passar a noite na minha casa.”
“Sim, eu poderia. Eu poderia simplesmente entrar correndo pela porta dos fundos, entrar no seu quarto e sair correndo antes que alguém se levantasse.
Lea sorriu diante da simplicidade do plano, e então uma terrível frieza tomou conta de seu coração ao pensar que Joana as pegaria. Ela deve ter franzido a testa.
“Não tenho medo da sua mãe”, disse Shirlei.
“Você não precisa, não mora com ela. E, além disso, vejo você quase todos os dias.”
“Mas não nos finais de semana, e à noite é diferente. As pessoas são mais doces à noite. Você provavelmente cheira como um bebê, provavelmente faz pequenos barulhos. E são coisas que você só pode fazer à noite.”
“Como o quê?”
“Não sei, coisa secreta e doce”, disse Shirlei.
Lea estava derretendo com a ideia. Teria que ser numa noite escura e sem estrelas. Ela deixaria a porta dos fundos destrancada na esperança de que um serial killer não descobrisse antes que Shirlei entrasse. Assim que Shirlei estivesse no quarto, cada ponto de sua roupa sairia como num passe de mágica. Seus mamilos seriam elásticos, os ombros puxados para trás como os de uma ginasta. Uma pequena luz brilharia no local onde o diretor uma vez a segurou, a luz do mundo. Piscaria enquanto Shirlei caminhasse em direção à cama de Lea. Ela cheiraria a fruta suculenta, água fria roubada e, vagamente, a picles.
***
Entrar na Loja Sofisticada para Senhoras deu a Lea uma sensação frenética e acolhedora. Havia um zilhão de coisas à venda, demais para qualquer lojista inventariar: gravadores de plástico para aulas de música, luvas de debutante, guardanapos de renda, pó com cheiro de pés de fada, cartões de Dia dos Namorados. Meias diurnas, cabelos falsos pendurados nos trilhos – Seu Geró cobrava pela largura, então algumas mulheres vinham apenas para comprar franjas – e qualquer outra coisa que pudesse tornar agradável o interior e o exterior de uma mulher. Suas precauções anti-roubo eram dois grandes espelhos inclinados no teto e sua velha mãe em um banquinho nos fundos.
A mão direita de Lea tocou as máscaras, de cor azul e roxa, mas ela as guardou. Gloss de cereja, fragrância de bola de Blue Nile e um chaveiro com cabeça de unicórnio foram colocados em seu sutiã. Shirlei gostava de dar uma olhada, mas Lea percorreu todos os corredores apenas uma vez, preferindo entrar e sair. Ao sair, ela pegou um saco de fandangos e um par de brincos de argola enferrujados para pagar e parecer séria. Certamente o seu Geró podia ouvir o coração dela batendo forte enquanto ele registrava suas compras, mas ele sorriu para ela, deu-lhe o troco e colocou suas coisas em uma sacola. Lea se sentiu péssima quando sorriu.
Ainda nervosa, ela se afastou um pouco da loja e acendeu um cigarro enquanto esperava por Shirlei.
“Vai sossegar esse rabo em casa, Leandra”, gritou uma mulher.
Lea saiu correndo.
“Cuide da sua vida”, ouviu Shirlei gritar atrás dela.
Shirlei levou um minuto para alcançá-la.
“Assustador”, disse ela, derrapando e parando.
Lea queria tirar aquele gosto da boca. Shirlei tinha sempre Lea pendurada em seu pescoço ao vagabundear pelo bairro; Lea estava fadada a ser pega.
“Eu tenho que ir,” ela murmurou.
“Tchau, Maria Terrorista.”
Shirlei saiu pisando firme. Lea ficou aliviada por voltar para casa sozinha; às vezes Shirlei se excedia. Ela trancou a porta do quarto e se acalmou examinando seus novos pertences, um por um. Carla bateu, fazendo Lea pular.
“Sua mãe está aqui.”
Lea enfiou as coisas na fronha e foi até a porta da frente, ofegante. Carla estava chegando com sacolas de compras. Lea foi ver se havia mais e levou algumas para a mesa da cozinha. Para sua decepção, Joana começou a tirar panelas e frigideiras dos armários.
“Roger não vai cozinhar esta noite?”
“Não”, disse Joana.
As entranhas de Lea fizeram com que ela franzisse a testa; ela esperava que sua mãe não estivesse tentando algo com alto grau de dificuldade. Joana estava olhando para a geladeira, mas saiu com os olhos inquietos e sem comida. Ela esfregou os nós dos dedos nas órbitas dos olhos.
“Como eu posso ajudar?”
“Tomando juízo. O simples fato de aquela garota estar fora de casa todas as noites, deveria lhe dizer algo. Ela está indo em direção a um caminho sem volta. Espero que você não entre nesssa também.
Lea queria dizer a Joana que ela ainda era ela mesma, mas sabia que não adiantaria nada. Joana estava preocupada com a maldita má influência; sua preocupação era tanta que ela rasgou a pele de Lea com um fio trançado. A surra foi bem intensa, do tipo que não acontecia desde antes de Rogério. Ela sabia que Joana iria chorar logo depois, mesmo que não tivesse nenhum motivo ou direito para isso.
***
“Sua mãe me disse para vir buscar a TV”, ela ouviu Rogério chegar dizendo na porta do seu quarto.
A chave de fenda elétrica gemeu, parou e gemeu novamente. Depois de um tempo, parou de vez e ela ouviu o barulho do aparelho de TV sendo removido e algo mais. Ela sabia que Rogério estava olhando para ela, mas não se deu ao trabalho de tirar a cabeça de debaixo do cobertor.
“Você quer algo para comer, garota?”
Lea não disse nada.
“Sua mãe só quer o melhor para você.”
Roger era novo ali e não sabia de nada, então não faria sentido tentar corrigi-lo. Quando ela espiou por baixo do cobertor, viu que ele havia retirado a porta. Ele voltou e colocou uma bandeja na mesa de cabeceira. Ela não tocou na comida, mas leu o bilhete de Joana.
NOVO CALENDÁRIO DE VERÃO DE LEA:
Seg-Sex — Serviços do Bar do Acarajé com Tia Nelma
Terça-feira — Aula Bíblica Adultos em Chamas por Cristo
Quarta-feira — Aula Bíblica Jovens em Chamas por Cristo
Quinta-feira – reunião do Conselho da igreja
Sexta-feira – Conselho do Cenáculo com Madre Berenice
Sábado – Ensaio do Coro Juvenil
Domingo – Conselho do Cenáculo com Rev.
Lea ficou envergonhada ao ver como Joana organizou tudo. Passar todo aquele tempo na igreja já era ruim o suficiente, mas ir ao Bar do Acarajé com tia Nelma seria o pior. Por um lado, era com a tia Nelma e, por outro, era um lugar frequentado por aquele pessoal evangélico que queria comer as iguarias africanas, mas discriminava o candomblé. Três semanas disso a matariam ou a transformariam em um deles. Ela não sabia como conseguiria sobreviver.
“Ótimo”, disse Lea, devolvendo o sorriso malicioso que sua mãe lhe deu.
Mas, na verdade, o período acabou não sendo tão ruim. Foi como assistir a um programa de TV da vida real com personagens muito peculiares. Ela aprendeu todo tipo de coisa, como quando tia Nelma disse que era possível colocar a desordem na agenda, desde que a mantivesse ocupada com atividades de qualidade. Ela também aprendeu muitas palavras novas do vocabulário ouvindo sua tia falar com sua voz mansa. Por exemplo, como Marcelo e Nalva eram verbais e eficientes. Felipe não era verbal, mas conseguia sinalizar o que queria. Apenas uma funcionária, Nádia, realmente perturbou Lea. Pouco antes do almoço, Lea a viu sozinha e foi até ela. Tentou focar os lindos olhos de Nádia, mantendo os ombros da mulher firmes, olhando-a diretamente e dizendo com a mente: Se você mantiver os olhos imóveis, isso mudará sua vida.
“O que foi?”, perguntou Nádia.
“Leandra, deixe Nádia em paz”, disse tia Nelma.
Tia Nelma, que tinha muito em comum com sua irmã Joana, foi a maior surpresa, doce e gentil com as pessoas com quem trabalhava e mais doce e gentil com as pessoas especiais. Mas ela ainda era a mesma tia Nelma para Lea. Elas estavam almoçando juntas no escritório da tia Nelma quando esta começou a fazer perguntas.
“Leandra Solto, você não estava realmente fazendo o que Joana disse, estava?”
Lea revirou os olhos.
“Os velhos costumavam dizer que essas coisas vão deixar você fraco como água”, disse a tia, rindo.
Mas não foi engraçado para Lea. Sua mãe era uma traidora e ela falava demais. Lea nunca contou a ninguém sobre a vez em que pegou Joana e um homem que parecia Olívia Palito curvados no chão da cozinha quando Joana estava entre um casamento e outro.
***
“Boa noite, abençoados”, disse ela. “Estava em meu espírito fazer algo um pouco diferente esta noite. Espero que ninguém se importe. Irmão Eduardo, você pode vir aqui e me ajudar? Você também, Cecília.”
Isso deixou apenas Lea e Anderson para lidar diretamente com o público. Quando Ricardo e os outros começaram a cantar, Lea analisou cuidadosamente a letra: “Quero duas asas para cobrir meu rosto. Quero que duas asas voem para longe.” Embora uma criatura com muitas asas certamente fosse uma visão incrível, Lea decidiu que ela só precisava das duas asas necessárias para fugir. Quando a música acabou, Ricardo orou. A atenção de Lea se voltou para uma mesa frágil, que continha sucos e biscoitos para o final da aula. Depois de um triplo amém, Ricardo se espremeu ao lado dela, esparramando parte de sua coxa em seu assento. Agora ela não conseguiria nem ler o romance Arlequina que trouxera para passar o tempo. Joana pagaria por isso. Assim que Joana completasse sessenta anos, Lea iria colocá-la em uma casa de repouso que negligenciasse seus residentes.
Na frente, o irmão Eduardo estava dizendo a todos para abrirem no livro de Apocalipse. Ele se atrapalhou em uma leitura, algo sobre Jesus se casando – não em uma igreja, mas com a Igreja.
Cecília Silva era outra estudante estrela da escola bíblica. “O ponto principal desta escritura é que a Igreja precisa se preparar para a vinda de Jesus como uma noiva faria para seu casamento”, disse ela.
“Você está pegando fogo esta noite, irmã Cecília. Como será a preparação da Igreja?”
“Dã”, pensou Lea, a Igreja tem que tomar banho e comprar um vestido. Lea imaginou Jesus em sua noite de núpcias, removendo delicadamente seu manto. Seu cabelo soprava continuamente e sem vento. Sua vara sagrada tremia de desejo e ela mordeu o lábio, tentando conter a emoção. Lea disfarçou a risada com uma tosse e continuou tossindo até que o irmão Eduardo lhe disse para ir cuidar disso. Ela saiu correndo da cadeira e foi para o corredor, onde percebeu que a porta do escritório do pastor estava entreaberta. Atravessou a escuridão e sentou-se atrás da mesa dele. Tirou os sapatos e puxou o tapete felpudo com os dedos dos pés. A penumbra da sala e o ar condicionado arrepiaram pelos por toda a sua pele. Zombando de Jesus, enlouquecendo com Shirlei, roubando – Lea deveria aproveitar esse ar bom, já que ela provavelmente iria assar como uma salsicha no fogo mais quente do Inferno.
Talvez o Inferno fosse inevitável. Algumas pessoas tinham o Inferno na terra, como as crianças cabeça-chata dos orfanatos para menores. Algumas pessoas tinham a mente infernal, como os estudantes da escola bíblica. E Lea, provavelmente. Pensando nisso tudo, ela estava deixando impressões digitais por toda a mesa de vidro do pastor. No corredor, o brilho vermelho e pálido da placa de saída acenava, então ela se arrastou até lá. A porta se abriu com um enorme silvo; ela fez uma pausa, ouvindo e observando a rua solitária, mas ninguém veio salvá-la. Quando ela voltou para a aula, o irmão Eduardo olhou para ela de forma estranha. Ela colocou a mão sobre a parte inferior da barriga, um gesto que o velho poderia interpretar de várias maneiras, e sentou-se novamente, mais perto das bebidas.
***
“Muito”, disse Lea.
“Como o quê? Melhor ainda, quero que você me escreva um parágrafo sobre isso quando chegar em casa. E eu sei que aquela garota está ligando para minha casa e desligando, trazendo Satanás para minha casa. Está me ouvindo?”
A maioria das pessoas não sabia que o espírito estava alojado entre a pele e o músculo. Uma navalha invisível estava libertando Lea. A sensação era insuportável, mas também uma bênção, porque sua pele estava tão esticada que sufocava seu espírito. Ela se arrastou para fora do carro. Lá dentro, Rogério saiu da cozinha, enxugando as mãos em um pano de prato.
“Você está se sentindo melhor, garota?” ele perguntou, como se ela estivesse gripada.
Lea estava pronta para voltar para o quarto dela como se ela não tivesse ouvido, mas Joana a impediu.
“Você não ouve seu pai falando com você?”
Ocorreu-lhe então que Joana era absolutamente idiota. Lea murmurou alguma resposta para Rogério, mas ele não conseguiu responder, visto que Joana estava beijando seu queixo.
“Senhor, não sei o que vamos fazer com aquela criança”, disse Joana.
Mais tarde, Lea ouviu os canos gemendo enquanto Joana preparava o banho. Ela ligou para Shirlei.
“Sua mãe pisou na bola, não foi? Você quer ir ao shopping amanhã? Quero tomar um chai.
“Não, Shirlei. Eu acabei de . . . Eu acabei de . . .”
Lea sabia que a conversa seguiria por esse caminho. Ela nem sabia por que havia ligado.
“Estou prestes a ir até aí.”
“Não!” Lea disse. “Não faça… Não venha… Para a minha casa.”
“Não sei por que tentei sair com uma criança assim.”
“Vou desligar, Shirlei.”
“Por que você me ligou?”
“Eu nem sei, mas preciso ir.” Mas ela não desligou; ficou ouvindo o silêncio.
A voz de Shirlei estava agitada. “Já sinto sua falta. Por favor amiga. Vou chegar tarde.”
“Muito tarde”, disse Lea.
Muito depois da meia-noite, houve uma leve batida na janela e Lea pulou da cama. Ela não estava dormindo, mas também não estava acordada. Ela colocou os sapatos e saiu pela porta dos fundos. Shirlei estava no último degrau, acendendo um cigarro. Lea teve vontade de empurrá-la escada abaixo.
“Abandone esse hábito de fumar, garota.”
“Erro meu. Bunda mole.” Shirlei riu. “Então, vamos ao shopping amanhã ou o não?”
Aquela magia, Lea sabia, havia desaparecido.
“Me dê um desses”, disse ela.
Shirlei pegou um cigarro de algum lugar e enfiou na boca de Lea. Ela tocou a bochecha de Lea que havia sido machucado pelo fio durante a surra. Isso deixou Lea nervosa e envergonhada e mais alguma outra coisa que ela não conseguia identificar.
“E-e-eu não posso mais ficar com você”, disse ela.
“Em primeiro lugar, você não poderia ficar comigo”, rebateu Shirlei.
Lágrimas escorreram pelos seus olhos. O coração de Lea acelerou, mas ela não sabia as palavras certas, então não tentou nenhuma.
“Então é assim?” Shirlei disse.
Lea encolheu os ombros, não querendo chorar.
“Tem sido real, garota.” Shirlei assentiu. “Tem sido muito real.”
E, assim, ela se foi. Ninguém jamais tocaria em Lea com tanta ternura como aquela garota. O pensamento a tirou do torpor, mas quando ela correu para o jardim da frente, Shirlei já estava na metade da rua.
“Shirlei,” Lea chamou.
Shirlei começou a correr. A camiseta que estava amarrada em sua cintura se soltou atrás dela. Lea fumou o cigarro até o fim, jogou a guimba na grama e sacudiu as cinzas da parte da frente da camisa de dormir. Ela chamou o nome da amiga novamente, mas desta vez, dentro de sua cabeça. ♦
José Fagner Alves Santos