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Desejo acalentado

Desejo acalentado

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O primeiro copo de cerveja, entornado de uma vez, desceu suave, saboroso, lavando o peito. Estalou a língua com satisfação. Sentiu que naquela noite poderia beber sem problemas.

Nem sempre era assim, às vezes o amargo se sobrepunha e o estômago reclamava. Encheu outro para ter certeza. Fechou os olhos enquanto o apreciava. Seu semblante sorria.

Ao acordar daquele devaneio viu sua cunhada que o observava. Linda como sempre e com aquele sorriso que o cativara desde que se conheceram. Lá se iam duas décadas desde que a conhecera ainda adolescente e ela permanecia encantadora.

Deve ter exprimido isso no olhar, pois ela se aproximou e apoiando-se no seu ombro, sussurrou-lhe:

— Hoje ninguém te segura, não é?

Arrepiou-se com o sibilar daquela voz. Não conteve um gemido.

— O que foi? – ela pareceu assustar-se.

— Olha…

Apontava os pelos eriçados.

— Ai, meu Deus. Tome tenência!

Olhava em volta aflita e só se acalmou quando percebeu que estavam sozinhos.

— Foi você quem me provocou.

— Provoquei coisa nenhuma! Só quis te avisar para ir com calma.

— Avisar? Mas eu comecei a beber agora.

— Pois é, acho que fiz bobagem. Ainda bem que não tem ninguém aqui.

Sua tez tinha ficado rosada. Pedro soltou uma gargalhada.

— Estou brincando, Tereza. Não fique brava.

— Você não presta, sabia?

Queria, sem conseguir, demonstrar chateação.

— Nunca prestei e você, minha cunhada preferida, sempre soube disso.  

— Preferida não, única!

— Você não sabe da minha vida lá fora.

Ela o encarou, subitamente séria.

— O que está dizendo?

— Nada, não.

Tinha virado o terceiro copo.

— Desembucha, vai!

— Não vou falar nem uma palavra.

— Vai sim. Pode começar.

— Ah, é? E aí você vai correr para contar para sua irmã?

— É sério, então?

— É sério, o quê?

— Que tem outra mulher?

Ele riu com a apreensão no rosto dela.

— Claro que não.

— Eu não te perdoaria. Você sabe.

Um silêncio suave emoldurou seus olhares.

— Por que não?

— Casamento é para sempre.

— Até que a morte nos separe?

— É.

Tereza abaixou a cabeça, constrangida. Seu marido tinha morrido há quase dois anos. Vivia sozinha num bairro distante e apesar das visitas assíduas à irmã, sentia-se solitária. As filhas ainda jovens, mas emancipadas, estudavam em outras cidades, e iam vê-la apenas nos fins de semana e de forma alternada.

— Por que não vem morar com a gente?

— O quê?

— Morar aqui. Por que não?

— Não, de jeito algum.

— O Luan só vem nos visitar uma vez por mês, você sabe. Estamos sozinhos também. Poderia ocupar o quarto dele até a edícula ser reformada.

— Não, nem pensar.

— Eu sei que Clara já te convidou.

— E eu também disse não a ela.

— Sei disso. Mas, acredite em mim, seria uma felicidade grande para nós. Eu poderia cuidar das duas. Com o maior prazer!

A entonação tinha mudado um pouco. Ela o olhou, desconfiada.

— Cuidar como?

— Lá vem você de novo pensando bobagem.

— Eu não… Você!

— Bom, eu não paro de pensar nisso.

— Ai, meu Deus…

— Pois é. E vocês duas se dão tão bem.

— Não quero atrapalhar ninguém.

— Não vai atrapalhar. Já te falei. Para mim será um prazer maior do que imagina. E se estiver com medo de mim, saiba que continuarei te respeitando. Igual àquele galo da piada.

Tereza não conteve a gargalhada, pois se lembrava dela e tinha rido muito quando a ouvira.

— Você não presta mesmo!

— Vem morar com a gente, por favor.

Pela primeira vez ela pareceu considerar a ideia. Ficou olhando as mãos bem cuidadas, estalando um dedo, vez ou outra.

Pedro virava mais um copo, sem tirar os olhos dela.

De repente, a algazarra da turma que chegava. Tinham ido ao supermercado para umas compras de última hora. Tereza levantou-se apressada e foi recebê-los. Evitou olhar diretamente para a irmã, embora não tivesse feito nada de errado.

Dali a pouco, os demais parentes chegariam e a festa estaria completa.

Pedro ainda sentia os pelos se arrepiarem quando lembrava da voz no seu ouvido. De forma diferente, seus olhares prendiam-se um pouco mais quando se encontravam. Era preciso um pequeno esforço para se afastarem. Podia ser pela cumplicidade do convite ou pelo despertar de uma atração contida. E ele, sem se dar conta, exagerou na bebida.

Sua mulher chamou sua atenção diversas vezes. Tereza não se atreveu. Apenas balançava a cabeça negativamente ao vê-lo cada vez mais travado. O fato é que estava alegre com tudo aquilo. A festa, os convidados, a presença dela, a música… Pena que não havia espaço suficiente para um pé de valsa, senão iria convidá-la para dançar. No embalo desse impulso chegou a senti-la em seus braços. O corpo delgado, elegante, facilmente envolvido por ele. E ela, confiante, se deixando levar através do piso encerado.

Seu olhar agora fixava o chão que parecia se mover.

— Acho que passei da conta…

Sentiu um embrulho no estômago e a necessidade de ir ao banheiro. Firmou o tronco, olhou para um ponto a sua frente e tentou se levantar. Não deu. Seus joelhos se dobraram, suas mãos bateram com força na cerâmica fria. Por pouco não foi com a cara nela. Ouviu risadas.  E quando o tocaram para ajudá-lo a se recompor o primeiro jorro de vômito espalhou-se. Agora eram os gritos da mulher que, inconformada, o insultava.

Seu medo, no entanto, era que Tereza visse aquilo. Não teria coragem de encará-la depois. As vozes, os risos, as broncas, foram se transformando num emaranhado de sons ininteligíveis.

. . .

A banheira gelada começou a restaurar sua consciência. Olhou os azulejos decorados e reparou que estava nu. Riu de sua situação ridícula. Quem o teria trazido? Seria alvo de gozações para o resto da vida. Pensou em gargalhar, até tentou.

Outra vez o estômago reclamando. Movimentou-se na direção do vaso. A água da banheira escapando para o chão. Pôs-se de joelhos e vomitou. Os urros trouxeram seu filho, que não continha o riso.

— Pai, que vergonha!

— Nem fale.

— Vou buscar uns panos para secar o chão.

— Vai…

Deu descarga e se sentou na borda da banheira. As mãos segurando o rosto. A festa lá fora continuava alegre. A sua bebedeira, com certeza, contribuíra muito para as piadas.

Tereza estava aflita. Nunca vira o cunhado tão atrapalhado. Tinha vontade de rir, mas imaginava a vergonha que estava sentindo e se refreava. Já estava sozinho há mais de meia hora. Devia estar melhor. Sua irmã cuidava dos outros. Criou coragem e foi saber dele. Bateu na porta do banheiro.

— Pode entrar…

Pedro tinha se levantado e estava de pé, em frente ao espelho do toucador, olhando a cara amassada. Virou-se ao ouvir o grito da cunhada. Só então se deu conta de que ainda estava pelado. Ainda sob o efeito do álcool demorou uns segundos para reagir. Levantou as mãos se desculpando. Agira por reflexo e nem sabia direito se era pelo vexame ou por estar nu. Então notou que ela o analisava, longe de estar chocada. Parecia admirada! Será?

Começou a fazer poses de halterofilista, ressaltando seus músculos ainda bem cuidados.

— Gostou?

Ela saiu do transe.

— Mas é um safado mesmo!

Afastou-se como veio. Não sem antes bater a porta. Pedro desatou a rir para em seguida correr ao vaso e vomitar mais uma vez.

Luan o encontrou debruçado, lutando para se manter firme.

. . .

Quando acordou no dia seguinte, com dor de cabeça e o estômago sensível, o primeiro pensamento foi para Tereza. Que papelão, heim? E agora? Provavelmente estaria com nojo dele. Olhou o teto. Talvez, não. Sorriu ao se lembrar do flagrante do olhar admirado da noite anterior. Ela tinha gostado do que vira. Levantou o braço e fez um muque.

— É, cunhadinha, ainda estou em forma!

O som de sua voz retiniu na cabeça dolorida. Levantou-se cambaleante e foi encontrar sua mulher na cozinha.      

— Que vergonha me fez passar, heim?

— Só posso pedir desculpas… Foi muito feio?

— Nunca me senti tão sem graça. Ainda bem que a maioria era de casa.

— Ainda bem.

— Está com fome?

— Estou.

— Preparei um chá de boldo. Pegue ali no fogão.

— Boldo?

— É para o fígado.

— Tudo bem, eu mereço!

— Toma esse comprimido junto. Vai te ajudar na ressaca.

— O que eu faria sem você?

— Ai, que vergonha! Nunca mais faça isso, ouviu?

— Sim…

Afastou-se para a sala e ligou a TV. Mas o olhar perdido via apenas o semblante da cunhada olhando-o de cima a baixo. Sentiu uma excitação lhe percorrer o corpo.

— Convidei a Tereza para almoçar aqui!

Sua mulher estava gritando.

— Heim?

Ela adentrou na sala com uma tigela e uma colher nas mãos.

— A Tereza vem almoçar com a gente. Vou fazer nhoque.

— Que bom. Ela falou o que de mim?

— De ontem?

— Sim.

— Ela achou engraçado. Nunca tinha te visto assim.

— Quem limpou o chão?

— Eu, é claro. Quem mais faria isso?

— É… Quem mais? Então, ela vem?

— Vem.

— E se ela ficar com nojo de mim?

— Como assim?

— No almoço.

— Ah, não. Ninguém se lembra mais disso. No final, estava todo mundo rindo. Aliás, pode se preparar para as gozações. O Luan ria sem parar. Você estava ridículo!

— Não tripudie, por favor.

— Mas é verdade.

— Ele está dormindo?

— Está. Daqui a pouco vou chamá-lo.

— Vou tentar me recuperar, mas acho que não vou comer nada.

A lembrança da comida embrulhou seu estômago. Recostou-se no sofá enquanto Clara voltava para a cozinha.

. . .

Mais tarde o filho veio ter com ele e, claro, fez uma piada. Depois foi buscar a namorada.

Finalmente a campainha tocou. Seu coração bateu forte, prenunciando a chegada da cunhada.

— Deixa que eu atendo! – gritou para a mulher.

Abriu a porta devagar e deparou com Tereza sorrindo, sarcástica.

— Sarou?

Riu também.

— Me desculpe por ontem.

— Você aprontou pra valer.

— Só posso pedir desculpas por tudo.

— Por tudo? Você se lembra de tudo que fez?

Pedro repetiu o riso safado que ela trazia.

— Lembro, inclusive, do acontecido no banheiro.

— Fiquei impressionada…

— É mesmo? Gostou do que viu?

Ficou séria.

— Do que está falando?

— Ai, meu Deus… Esquece.

— Vai ser difícil.

Clara surgia lá no fundo.

— Oi, irmã. Como vai? Tem certeza que não vou incomodar?

— Claro que não, Tereza. É sempre bom quando está aqui. Não é, Pedro?

— Eu gosto muito. Pode acreditar.

Logo estava sozinho outra vez. Elas se enfiaram na cozinha para os últimos preparos.

Pouco depois o filho chegava acompanhado. A mesa foi posta de forma delicada, coisa própria das irmãs. Pedro sentou-se à cabeceira e uma tigela de sopa foi colocada à sua frente por Tereza. O que gerou mais uma série de gozações. Então, Clara sentou-se à direita e Tereza à esquerda. Ficaram em silêncio por alguns minutos enquanto montavam seus pratos. Depois começaram os comentários sobre a festa. De tempos em tempos, uma referência ao vexame de Pedro. Num desses momentos, sentiu o olhar carinhoso da cunhada. Excitou-se. Abriu as pernas e os seus joelhos se tocaram. Ela afastou a perna para, em instantes, voltar a tocá-lo. Ficaram assim por longos minutos. De vez em quando, uma pressão correspondida.  Depois, disfarçando a mão sob a mesa acariciou a coxa que lhe excitava. Assustada com o toque, Tereza afastou a perna. Não esperava tanta ousadia. Só quando ele pôs a mão à vista é que voltou a se encostar nele. Deixou escapar um sorriso… Pedro fez o mesmo.

. . .

Não conseguiu manter-se de pé depois do almoço e foi deitar. Sonhou com ela e acordou excitado. Levantou-se e só encontrou a esposa na sala, bordando enquanto via TV.

— Já foram?

— Todos. O Luan foi levar a namorada e volta à noite.

— Sei… E a Tereza?

— O que é que tem?

— Por que não ficou mais um pouco?

— Na verdade, ela acabou de sair. O tempo está escurecendo e é capaz de chover. Depois ficaria complicado para ela ir.

— É…

— Mas comentou que vai pensar melhor em vir morar aqui. Você não se importará mesmo, não é?

— Eu?

— Sim, você! Atente para o fato que a coisa será em definitivo.

— É claro que sim.

— Se ela vier e não der certo, como vamos mandá-la embora?

— Não, não, de jeito nenhum. Mandá-la embora, não!

— Pode acontecer.

— Vai dar certo. Vocês se dão tão bem! Agora, por exemplo, estariam as duas tricotando…

— Ai, ai, será tão bom para mim.

— Para mim também!

Clara o olhou rindo.

— O que está querendo dizer com isso? Que vai se livrar de mim?

— Meu Deus, que bobeira é essa?

— Ora, foi você quem disse bobagem.

— Sim, mas… Quer dizer… Não sei por que disse isso!

— Vê lá, heim?

Mudou o canal da TV. Precisava dar outro rumo para aquela prosa.

O jogo da tarde já estava no segundo tempo. Acomodou-se no sofá para assistir. Olhou sua mulher de soslaio. Ela tinha voltado ao trabalho e parecia imersa nele, provavelmente pensando na irmã.

Pedro também pensava nela. O coração tinha se acelerado com aquela informação. Viria morar com eles! Teve certeza de que seria assim. Aquela troca de carinhos no almoço tinha feito Tereza se decidir. Nunca tivera com outro homem que não fosse o marido. Clara lembrava disso toda vez que ele perguntava se Tereza não tinha arranjado namorado. Era bem possível que Pedro fosse o primeiro a ver nu depois da morte do marido. E aquela intimidade sob a mesa? De onde teria arrumado tanta coragem? Outra coisa era certa: poderia contar com a discrição dela. Tão pacata, tão tímida… Lembrava-se das poucas vezes que a vira de maiô. Suas pernas longas… As nádegas lisas, salientes… O quadril se destacando levemente do corpo…

— Precisamos reformar a edícula. Aliás, ela me disse que faz questão de colaborar…

— Heim?

Clara olhou para ele.

— Isto é, se ela decidir vir.

Pedro apenas balançou a cabeça, desconcertado, tentando disfarçar sua excitação.

— Claro, claro…

— Claro, o quê?

— Precisamos reformar a edícula.

— E se ela quiser colaborar?

— Não sei… Vamos pensar nisso depois. Por enquanto, vamos insistir para que venha.

— Certo.

Voltou a reparar no futebol por alguns minutos, depois fechou os olhos e voltou a sonhar com Tereza.

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